A FONTE LUMINOSA
A fonte luminosa
(11 de junho de 2020)
Quando criança, sempre que ia com minha mãe ao Centro de Maceió, era certeza pegar o ônibus de volta para Bebedouro na Praça dos Martírios. Havia dois motivos para isso: o primeiro era um motivo lógico, já que era ali, no começo da General Hermes, que o caminho para Bebedouro era quase uma reta, passando pela Cambona, Bom Parto, Mutange, ladeado boa parte do trajeto pela linha do trem, depois que esta cruzava a estrada na divisa desses últimos bairros, bem no acesso da Gruta do Padre;
o segundo motivo era um capricho apenas. Geralmente, o retorno se dava por volta de cinco e meia, seis horas, quando a fonte luminosa da Praça dos Martírios começava a funcionar, e atraía os olhos principalmente das crianças que, enquanto viam o espetáculos das águas, podiam comer uma pipoca quentinha que era vendida numa moderna pipoqueira que fazia sucesso na época, instalada próximo ao ponto de ônibus do Farol.
O show era imperdível. O balanço dos jatos d'água parecia acompanhar o ritmo da música que saía magicamente das duas caixas de som localizadas na piscina da fonte. O formato de "cuscuz" da fonte, em pequenos ladrilhos azuis, dava ainda mais charme ao refletir o brilho colorido das formas feitas pelos jatos, ora lançados para o alto, ora circulantes ou em forma de espumas, ou ainda como serpentinas em torno do eixo da fonte. Ficava a imaginar como poderia ser aquilo. Um tempo a água era azul, em outro, era rosa e, logo em seguida, passava a ser roxa, lilás, verde, amarela, dourada. O barulho dos pingos caindo na piscina parecia aplauso. Meus olhos se encantavam vendo aquela performance já decorada. Realmente, sabia de cor todos movimentos da fonte. Até imaginava, em minha inocência, que havia alguém que executava os movimentos na parte de baixo da fonte, tese descartada alguns anos mais tarde, quando descobri que era totalmente automatizada. Depois de alguns minutos de contemplação, sentia um puxão no braço, era minha mãe chamando para a realidade de ter que enfrentar um ônibus cheio até a Praça Lucena Maranhão, em Bebedouro.
Quando já morava na Cambona, a Praça dos Martírios passou a ser o meu "playground". Era onde andava de bicicleta, jogava bola e subia nas árvores com total liberdade. Conheci o funcionário que trabalhava ali havia bastante tempo, cuidando do jardim e também da fonte. Era um senhor magro, desdentado e cabelos escassos. Usava um uniforme azul marinho e uma bota preta de cano alto. Não lembro o nome dele, mas era alguma coisa em diminutivo (Seu Menino, Seu Zezinho, Luizinho, Pedrinho, coisa assim). Não era muito amigável, principalmente quando via alguém entrar na piscina (que não era tão limpa, como parecia ser de longe).
Por curiosidade, eu e outros meninos da rua, certa vez, pedimos para conhecer a parte de baixo da fonte, logo depois que ela passou por uma reforma e voltou a funcionar perfeitamente, com novos ladrilhos e novas lâmpadas (também melhoraram o som). Não sei como, mas o "Seu Menino" deixou. Com uma condição: que a gente não danificasse mais as plantas nem a grama do jardim da praça. Aceitamos a proposta. Ele deu uma olhada geral na praça, como se estivesse fazendo algo errado (e estava mesmo). Abaixou-se e abriu o cadeado da grade que fechava a escada que dava acesso ao inferior da fonte. Deu um empurrão com as duas mãos, a grade cedeu alguns metros e nós descemos. Confesso que fiquei com medo, a princípio. Quase não descia. Mas ao ver que os outros meninos já estavam descendo, também entrei. Era um lugar escuro e quente. Ele estendeu a mão para um interruptor no fim da escada e uma lâmpada incandescente se acendeu. Não era um lugar limpo. Havia muita coisa ali: ferramentas, carros de mão, sacos plásticos e, num canto, algo como uma bomba hidráulica gigante. Ao lado, alguma coisa que lembrava uma mesa de som, com vários botões e fios saindo para o alto, formando um feixe e se dirigindo para o andar de cima (o chão da piscina), para onde iam também vários canos de diversas bitolas e cores. O cheiro não era agradável. Um misto de cigarro com o forte cheiro da tinta recém utilizada na reforma, mas que não escondia o odor abafado dos fertilizantes nos sacos encostados em um dos cantos daquele cubículo. Imaginava ser maior, à vista do tamanho da fonte. Mas era uma sala quadrada e com pé direito baixo. Nosso anfitrião mostrou-se amigável e explicou como cada coisa funcionava. Explicou em sua própria linguagem como a fonte era ligada e os riscos que corria, se houvesse um curto-circuito. Revelou que antes da reforma, houve um vazamento e as paredes ficaram "dando choque" e que foi por isso que a fonte parou. Chegou a dizer que passou um tempo morando ali, até que o "Dr. Divaldo (Suruagy) me deu uma casa". A essa altura, já estávamos morrendo de calor e com falta de ar. Alguém sugeriu irmos embora. Agradecemos e prometemos que íamos cooperar com ele, não danificando as plantas, mas que pelo menos deixasse a gente jogar num cantinho em que não havia mais grama. Ele concordou e saímos.
Recentemente, passei por ali e me veio toda essa lembrança.
Puxa, como gostaria de ver novamente a fonte funcionando. Ninguém pode fazer ideia de que um lugar tão desprezível e apertado, como aquela sala quente e apertada, poderia exprimir tanta beleza aos olhos das pessoas.
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