D. ALMERINDA - PARTE 1

Dona Almerinda (parte 1)
 (15 de março de 2019)

Dona Almerinda, na verdade, para os demais colegas de trabalho. Para mim, que a conheci quando eu ainda era criança, sempre foi (e será) Irmã Almerinda. Irmã, porque a conheci na igreja em que fui criado.
Almerinda era uma mulher linda. Uma senhora solteirona, que aparentemente não tinha muita instrução. Era simples, muito amável e tinha uma voz maravilhosa. Cantava hinos antigos e fazia orações emocionantes e com muita fé. Era uma serva de Deus cheia do Espírito.
Dona Almerinda se apresentou à Justiça Federal em Alagoas por meu intermédio. Desde que comparecera a uma audiência realizada em uma ação em buscava obter uma revisão de sua aposentadoria, procurou-me reservadamente querendo saber se podia trazer alguns doces que ela mesmo fabricava para vender aos colegas. A princípio, eu hesitei, mas como gostava muito daquela abençoada, corri o risco de dizer que sim, embora com o alerta de que havia uma determinação do diretor do foro que não permitia a entrada de pessoas no prédio para vender o que quer que fosse. Orientei-a que onde visse as placas "diretor" e "juiz federal" ela não entrasse.
Lembro-me de que, na primeira vez em que ela trouxe a sacolinha cheia de doces em tabletes, fui pessoalmente com ela nas secretarias das varas, no prédio da Jfal, ainda no Poço. Falei discretamente com os colegas e todos que adquiriam os docinhos ficavam satisfeitos e sempre voltavam a comprar de novo. Almerinda retornou várias vezes à repartição e sempre passava em minha sala oferecendo suas iguarias. Às vezes eu ou Solígia (Sol Torres), ou os dois juntos, adquiríamos seus produtos e comíamos parte deles ali mesmo no gabinete. Eram deliciosos.
Eu sempre lhe dizia que evitasse mostrar os doces abertamente nos corredores, mas sempre nos locais "autorizados" ou pelo menos mais reservados.
Certa ocasião, Almerinda chegou a minha sala. Eu estava sozinho, atendendo a uma ligação telefônica, o que fez com ela ficasse aguardando um pouco. Solígia estava secretariando a uma audiência com Dr. Paulo Roberto de Oliveira Lima, que ocupava a titularidade da 2ª Vara e acumulava o cargo de diretor do foro, tendo partido dele a determinação de proibir a venda de produtos no ambiente físico da repartição. Enquanto atendia ao telefone, vi passar no corredor o Dr. Paulo e um Procurador da República que sempre acompanhava as audiências criminais, ambos entrando na sala do gabinete do juiz, pela porta que dava acesso ao corredor. Quando Almerinda os viu passarem e entrarem na sala, de salto, pegou a sacola de doces e se dirigiu ao gabinete do juiz, anunciando em voz alta, ainda na porta:
- Doutor, o senhor quer comprar doces?
Ouvi dr. Paulo vociferar, justamente porque era contra esse tipo de negócio:
- Minha senhora, eu não quero comprar doce, eu sou diabético, nem doce posso comer (ele disse essa última frase, já com intenção de acabar a conversa ali mesmo).
Almerinda, ficou um pouco em silêncio, vendo-me fazer sinal que viesse para minha sala. Ela veio, mas antes fez um esclarecimento, a seu ver, pertinente:
- Eu vendo fiado, viu doutor?
Nunca mais nós compramos aqueles docinhos maravilhosos.

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