UMA PASTA DE COURO


UMA PASTA DE COURO

Quando estava na faculdade, usava uma pasta de couro cru, tipo executivo.
Fazia sucesso na época. Pelo menos eu me achava o máximo, portando-a nos corredores da Ufal, entre os blocos do CCSA, Cetec e "São José", este último era uma referência a um colégio da Capital frequentado, à época, apenas por mulheres - a maioria das aulas do "São José" era dos cursos de Nutrição, Serviço Social e Comunicação, geralmente procurados pela mulherada, daí a origem do apelido do bloco (não sei se ainda o chamam assim).
Voltemos à pasta.
Certo dia, depois de usá-la por um bom tempo, olhei para ela e me senti ridículo carregando-a. Hesitei por alguns dias em usá-la, mas, como ainda era funcional para levar os livros, cadernos e códigos, mantive-a como companheira até o fim do período daquele curso de Contabilidade - tablets, smartfones e celulares seriam muito bem vindos naquele tempo, se existissem.
Terminado o período, na verdade o curso, porque se tratava já do último semestre, arrumei um lugar em um armário e a deixei lá do jeito que a trouxe da Ufal, da última aula. 
Certo dia, já passados uns pares de anos, ao fazer uma arrumação, retirei-a do armário. Fiquei olhando para aquela pasta, um pouco empoeirada, amassada pela ação de uma pilha de livros e outros objetos esquecidos naquele móvel escuro.
A cor já não era a original. O cheiro do couro foi substituído pelo de mofo. A contragosto, tive que me desfazer dela, não sem antes passar um filme em minha mente em que revivi diversos momentos do tempo de universitário.
Lembrei dos colegas, dos professores bons e ruins; das temidas por todos provas do professor Avenil Gusmão, das preciosas lições do professor Aderbal e do saudoso professor Arnon Chagas. Veio à memória o movimento estudantil de então, as "Diretas Já!", as eleições de 89, as greves, as passeatas, a inauguração e fechamento imediato, por motivos óbvios, do "Mastu bar", que funcionava a partir de 11h da sexta-feira, em frente a antiga biblioteca. Lembrei-me da aula da saudade, quando o colega Evandro fez uma performance caricaturando uma professora amada (por poucos) e odiada (por muitos). A aula terminou com "Emoções" e algumas músicas de Belchior, essas preferidas pela turma, às vezes com mudança na letra ("eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne do Ramsés").
Desfiz-me daquela pasta. Não sei o destino que tomou, se a dei a alguém, se está esquecida em algum lugar ou se foi para o lixo. Hoje seria ridículo usá-la. Estaria fora de moda, seria um peso desnecessário, principalmente com a minha atual filosofia de vida paulina, segundo a qual "devo-me desvencilhar de todo embaraço" e "prosseguir".
Deixo-a no passado, com seus significados e momentos próprios.
Tal qual fiz com ela, preciso abandonar alguns conceitos errados, algumas práticas, algumas atitudes incorretas, alguns pecados.
Preciso reconhecer que errei e que erro. Preciso pedir perdão quando ofender a alguém. Assumir  uma postura correta e justa, sobretudo com as pessoas que me rodeiam.

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